A obra intitulada "Serpentes do Cerrado: Um Guia Ilustrado" traz quase 200 fotografias de mais de cem tipos de serpentes, inclusive algumas nunca antes fotografadas.
Os biólogos não gostam quando nos referimos a esses bichos como "cobras", que denomina corretamente apenas um número pequeno de espécies. O termo "serpente" se refere a todos os membros dessa subordem da classe dos répteis.
Para cada uma, os autores apresentam sua morfologia (jeitão do bicho, tamanho, detalhes da cauda e dentição), hábitos alimentares, modo de reprodução (ovíparo ou vivíparo), táticas defensivas e se oferece risco de envenenamento grave ao ser humano, explica André Eterovic, da UFABC (Universidade Federal do ABC).
A empreitada de catalogar os répteis começou há mais de 15 anos, com outra composição do grupo de autores (que ainda é mais ou menos a mesma). Em 2001 foi lançado o "Serpentes da Mata Atlântica", e, em 2005, o "Serpentes do Pantanal", ambos pela editora Holos, de Ribeirão Preto (SP).
Enquanto seus colegas publicavam os guias da mata atlântica e do pantanal, o herpetologista Cristiano Nogueira percorria 40 mil km no coração do Brasil em busca dos bichos, durante seu doutorado, entre 2000 e 2006.
"Lembro perfeitamente de quando comecei a planejar meus estudos com répteis no cerrado, ainda no mestrado e doutorado. Ouvia colegas mais experientes, dizendo: 'Cerrado? Não vai encontrar muita coisa por lá. As poucas serpentes que ocorrem por lá são generalistas [ou seja, também aparecem em outros biomas].', Ou seja, elas seriam pouco interessantes. Felizmente eles estavam errados", afirma Nogueira, agora pesquisador do Museu de Zoologia da USP.
O levantamento é o primeiro do tipo e pode ajudar na conservação das espécies do local. "Existe desinformação e preconceito contra as serpentes, vistas sempre como perigosas. Grande parte é inofensiva. Mesmo assim, são perseguidas e mortas nas localidades rurais do Brasil central." Cerca de um terço desses répteis vivem apenas no cerrado.
A obra contou com o apoio financeiro da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da ONG WWF Brasil.Para os pesquisadores, a produção de inventários faunísticos, estudos técnicos de identificação da diversidade de espécies animais que ocorrem em determinada área ao longo de um período histórico, pode contribuir para a preservação das espécies estudadas por fornecer informações sobre as interações ecológicas que as suportam.
“Um passo importante para minimizar eventos de extinção maciça provocados pela espécie humana é a produção desses inventários, assim como a identificação do status populacional, das demandas por recursos e das interações de cada espécie. Esses estudos de base são indispensáveis para iniciativas de conservação”, destaca Marques.
A ação antrópica tem comprometido rapidamente o bioma do Cerrado brasileiro. Enquanto o desmatamento está em queda na Amazônia, ele só cresce no Cerrado, chegando a 1,5% ao ano, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) – mais de 3 milhões de hectares desmatados anualmente.
“Gerações de pesquisadores estiveram e estão envolvidas nos esforços para fundamentar e implementar medidas que garantam a manutenção desse ecossistema típico dos planaltos do Brasil central. O guia ilustrado é uma compilação de parte dos resultados dessas ações, dirigido particularmente à diversidade de serpentes nesses ambientes.”