Não é difícil achar mães e pais de crianças com menos de seis anos que andam afoitos para que eles aprendam logo na Educação Infantil letras e números, conteúdos específicos e que tenham acesso ao ensino de Inglês. Isso é reflexo do mundo competitivo em que vivemos. É preciso saber mais que o outro, mais rápido, da melhor forma possível. Nossas crianças não podem “ficar pra trás”. As escolas, claro, de olho no lucro (pouco importa a criança), procuram atender a demanda. Quem manda é o cliente! Se for preciso ensinar inglês, espanhol e mandarim pra crianças de 1 ano pra fisgar mais uma mensalidade muito bem paga, que assim seja!
Eu poderia citar mil estudos que indicam que a alfabetização precoce não é vantajosa, mas achariam rapidamente o contrário: estudos que indicam exatamente que alfabetização precoce é incrível. Então, não vou me prender a provar cientificamente que alfabetizar antes dos seis anos é bom ou ruim. Um estudo assim depende de muitas variáveis e uma metodologia bastante certeira. Então, prefiro refletir sobre os efeitos de ensinar leitura e escrita precocemente.
A primeira reflexão que precisamos fazer é a seguinte: meu filho de 4 anos PRECISA saber ler e escrever? Pra quê? Ele pode aprender isso depois? Se sim, por que não? É uma vontade minha ou dele? Os estudos sobre aquisição da linguagem indicam que aprender a falar a língua materna acontece naturalmente. Aprender a escrever, não. Esse processo envolve desviar o pensamento para a escrita, que não acontece naturalmente. Escrever é uma técnica, um artifício engenhoso pra fabricar a fala. Além disso, antes de escrever, é preciso aprender um código complexo e ter maturidade suficiente pra entender cada “peça” desse código. Então, não é natural. Exige esforço, concentração e coordenadora motora bem desenvolvida. Em vez de estar aprendendo algo tão complexo como a escrita aos 4 anos de idade, as crianças poderiam estar jogando bola, mexendo na terra, correndo, aprendendo a relacionar-se com o outro, ouvindo histórias, desenhando livremente. Vejo a aprendizagem da escrita na Educação Infantil como tempo roubado. Um tempo que não vai mais voltar. Se há um período dedicado para esse fim (o 1º ano do Ensino Fundamental), por que não não esperar? Pra que a pressa? O que farão as crianças no 1º ano se já sabem o que deveriam estar aprendendo?
O segundo ponto e mais importante pra mim: algumas crianças não têm maturidade, interesse ou coordenação motora fina desenvolvida para começar o processo da escrita. Claro! São muito novinhas. Elas não têm mesmo obrigação de nada disso. Na falta desses três itens citados e uma professora tendo que dar conta do que planejou, do currículo ou do sei lá o quê que a escola exige, a culpa cai sobre a criança. E decretam: essa criança não aprende, é hiperativa, não se concentra… E dá-lhe ritalina! Isso cria uma ansiedade nos pais (por que só meu filho não consegue?), a escola quer jogar a culpa pra alguém (procura um psicólogo!) e não preciso nem dizer que a maior vítima é a criança. Antes de começar a desenhar a letra “a”, é preciso correr muito, pular, saltar, dançar, cortar papel, amassar papel, pintar com tinta, pintar com giz, pintar com lápis, desenhar, recortar, se abaixar, levantar e tudo mais que envolva motricidade. As crianças deveriam ser expostas a todas essas atividades muitas e muitas vezes antes de começarem a pensar no a, e, i, o, u.
Ensinar letras, números e inglês na Educação Infantil é querer inserir a criança no mundo adulto o mais rápido possível. Já vemos isso acontecer nas roupas adultizadas, nas danças, na adultização precoce. E, claro, queremos logo que aquele mini ser tenha uma agenda digna de executivo e que aprenda logo os códigos do mundo adulto. Querer fazer uma criança de 3 anos sentar, ler e escrever é, pra mim, querer apagar a primeira infância. A primeira infância deveria ser dedicada a brincadeiras e à liberdade. Querer colocar esse peso do mundo adulto nas mãos pequeninas de crianças que ainda estão trocando r pelo l na fala é um equívoco tão grande quanto exigir delas atitudes adultas.
Eu desejo um mundo que respeite cada fase da criança, que respeite seu ritmo e seu direito de ser criança.